MILIZA DIDIER
Departamento de Comunicação
Os membros da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Câmara Municipal de Uberlândia, em parceria com o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), promoveram uma audiência pública virtual, na tarde desta terça-feira (03), com a temática “Violências e Negritudes: uma análise geral do genocídio simbólico e real”, com o objetivo de problematizar a questão da violência e sua incidência sobre a população negra: marginalização social e violências urbanas.
A audiência foi presidida pela vereadora Dandara Tonantzin (PT), presidente da Comissão e teve a participação do vereador Cristiano Caporezzo (Patriota), suplente. Os demais membros, apesar da parceria, segundo Tonantzin, não puderam estar presentes.
Várias pessoas ligadas à área acadêmica da promoção da igualdade racial bem como representantes de entidades afins foram convidadas para falar na audiência. A doutoranda em Direito e pesquisadora em relações étnico-raciais, Vanilda Honória dos Santos enfatizou que a questão do racismo precisa ser tratada com seriedade no poder público, visando a equidade racial e o combate às injustiças históricas. Para tratar do tema, ela tratou de questões conceituais de como que é a violência e onde ela está. Sobre o conceito de violência para o racismo, a pesquisadora disse que este é mais amplo e está inserido também nas ações de abordagem nas ruas, no medo de serem confundidos com outras pessoas, jovens com medo da detenção da polícia e esses são medos frequentes que fazem parte da vida da população negra. Além disso, ela disse que violentar é retirar a dignidade física e mental.
Como palestrante que mais dispensou tempo na fala, Vanilda Honório ainda falou sobre a relação da violência e do direito, numa abordagem do direito antidiscriminatório - campo do direito constitucional que faz uma crítica à ideia de neutralidade do direito, que, segundo a doutoranda, camufla os conflitos e reais interesses que se dão nas políticas públicas - com foco na realidade, nas discriminações que assolam a sociedade e que impede a o exercício da liberdade e da vida dos negros.
Sobre Uberlândia, a pesquisadora disse que a cidade praticou a segregação racial e espacial em suas ruas, estabelecimentos e se convive, até hoje, segundo afirma, com as ideias das funções de “preto” no mercado de trabalho. A perseguição às manifestações culturais e religiosas do povo negro também foi colocada.
Dentre os vários tipos de discriminação, no aspecto das políticas públicas, ela citou a discriminação institucional por envolver indivíduos, que tomam decisão e que podem estar presentes na operação das instituições sociais e (suas decisões) podem implicar intencionalidade. “O racista está nas instituições e ocupa nelas poder de decisão”, afirmou.
Santos opinou que as políticas públicas, que objetivam romper com a discriminação histórica, devem ser reparatórias e compensatórias e devem ser instituídas como pautas de estado.
O presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir) e presidente da Comunidade Nova Criatura, Baba Leandro Costa, alegou que Uberlândia é uma cidade higienizadora, incapaz de ver pessoas que estão nas ruas, usando drogas e que o município tem obrigação de ouvir o povo e agir. Costa tratou como desumano o trabalho da assistência social para com o povo negro da cidade e disse que o Conselho da Igualdade Racial hoje fiscaliza e ouve a população. Ele também afirmou que cobrará do poder público, junto à Comissão de Igualdade Racial da OAB, tratamento digno ao povo negro. Nesse momento, ele disse que os jovens precisam de segurança e que a indiferença para com os que estão nas ruas leva a depressão e ao isolamento, carecendo, essas pessoas, de serem ouvidas pelo governo.
A advogada e presidente da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB Uberlândia, Andréa Morais da Silva, citou os 31 anos de promulgação da Lei de nº 7.716, que define os crimes de racismo, mas lamentou sua ineficácia em Uberlândia, justificando que pessoas vítimas de racismo têm dificuldade de lavrar um boletim de ocorrência, especialmente aquelas moradoras da periferia. Silva disse que a cidade precisa de uma delegacia especializada que possa entender melhor o crime de racismo. “Somente assim nos vamos ter números, nós vamos ter os casos concretos com resolução”, afirmou.
A professora do curso de História da UFU, coordenadora da Divisão de Promoção de Igualdades e Apoio Educacional e líder do Líder do Grupo de Pesquisa Estudos Negros, ambos da universidade, Drª Ivete Batista da Silva Almeida citou o discurso do último dia 28 de junho da Alta Comissionária da ONU e ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, para que estados membros adotem uma agenda transformadora para se erradicar o racismo sistêmico. Ela disse que o enfrentamento às profundas desigualdades raciais e violências contra os negros, homens e mulheres, mortos e agredidos por sua cor, marcam a principal luta do movimento negro por uma sociedade mais justa e que os agressores se sentem amparados por uma cultura e estrutura racista. Ela afirmou que dados do Atlas da violência de 2020 do IPEA mostram que dados sobre a violência, especialmente a violência policial, é maior contra a população negra e que a desigualdade provocada pelo racismo é problema central a ser enfrentado pelo país. Para reparação no cenário das desigualdades étnico-raciais, ela diz ser necessário também cobrar do poder público políticas públicas e ações que visem transformar estrutura racista numa sociedade estruturada no pensamento antirracista.
O presidente da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV Aids (RNP) e presidente do Conselho Municipal de Saúde, Edval Cantuário, disse ser mais complicado para pessoa negra conviver com o HIV por sofrer duplicidade de preconceito e que debates públicos procuram quebrar esses padrões.
O vereador Cristiano Caporezzo citou o ator americano negro Morgan Freeman, quando falou “o dia em que pararmos de nos preocupar com consciência negra, amarela ou branca e nos preocuparmos com consciência humana, o racismo desaparece”. O parlamentar disse que a questão da violência policial trazida ao debate chamou sua atenção e que 56,2% da população brasileira é parda ou negra e esse percentual, possivelmente, interfere na população carcerária do país. Ele discordou da fala sobre como o povo de Uberlândia age com a população negra: por meio da repressão e disse não entender essa afirmação contra o povo da cidade, uma vez que a cidade promove ações solidárias, especialmente para a população de rua. Como policial militar que é, ele disse: “Sempre servi com diversos companheiros, de todas as etnias e a única coisa que importa é realmente o serviço e o serviço executado de maneira daltônica. Para o policial militar no Brasil, eu falo isso com propriedade, todos têm a mesma cor, que é o vermelho em nosso sangue”.
A vereadora Dandara disse que o racismo não é um tema recente, que o movimento negro tem pouco mais de 100 anos que denunciou a falsa abolição da escravatura, que a Lei Àurea só aboliu os crimes que os senhores de engenho cometeram contra a humanidade e que os negros e negras continuaram na condição de escravizados ou foram expulsos das terras dos seus senhores. Ela disse que o grupo negro ainda foi criminalizado pela Lei da Vadiagem, pelo samba, pela capoeira e que o encarceramento em massa hoje é fruto desse processo e que a violência policial contra o povo negro também é fruto desse processo e que se hoje, no século XXI, os negros estão tendo que falar sobre racismo é porque são alvos todos os dias de racismo estrutural e estruturante que organiza as relações de poder na sociedade e que determina quem vai morrer e quem vai viver.
A vereadora Cláudia Guerra (PDT) disse que acredita nessa luta (dos negros) e que está à disposição da Comissão. Sobre os feminicídios, tema que é especialista, ela diz que a maior parte é contra mulheres negras, vulneráveis e pobres.